Select Page

Criminalidade e Verão: o crime fica mais quente?

Este mês marcou o início do verão. Praia, passeios, férias e bom tempo são as principais características que associamos a esta estação, mas o que acontece à criminalidade quando as temperaturas aumentam?

As explicações da relação entre crime e temperatura

Os efeitos do ambiente físico na criminalidade, principalmente da temperatura, são um tópico de interesse na Criminologia2. A noção de que as estações do ano afetam as taxas de criminalidade foi sugerida no século 19 por Adolph Quételet, ao concluir que os crimes violentos atingem o seu pico nos meses de verão e os crimes contra a propriedade nos de inverno3,4.

Existem várias explicações possíveis para esta relação, sendo uma delas que a temperatura influencia diretamente o comportamento das pessoas, tornando-as mais agressivas9. Contudo, uma das teorias criminológicas mais usadas para discutir esta relação é a teoria das atividades de rotina6,10.

Dependendo da estação do ano, as rotinas dos indivíduos alteram-se, e é teorizado que quanto mais tempo estes passam fora de casa, maior o risco de vitimização, pois aumentam as oportunidades para o crime4,6. Como tal, a teoria propõe que o tempo mais quente conduz a uma mudança de comportamento, e, então, a temperatura afeta o crime indiretamente através do seu efeito no comportamento social3,6,7,8.

Em climas temperados, uma porção significativa do outono, inverno e primavera é marcada por temperaturas frias e tempo adverso, sendo as atividades exteriores, por isso, limitadas2,3,4. Contudo, à medida que as temperaturas sobem e o tempo fica mais seco no fim da primavera e no verão, o tempo despendido fora de casa aumenta4. Assim, existem, neste período, comportamentos que podem aumentar a possibilidade de vitimização, como uma maior interação pessoal com outros e um maior consumo de álcool. Além disto, a época coincide com as férias da escola e as férias em família fora de casa, durante as quais as habitações ficam desprotegidas2,7,8.

Impacto da temperatura no crime

A investigação criminológica tem explorado a relação entre a temperatura e o crime, tendo encontrado evidência de variação das taxas de criminalidade consoante as estações do ano1. Existem vários estudos que mostram que temperaturas mais quentes estão relacionadas com maiores taxas de criminalidade, nomeadamente a violenta, mais comportamentos agressivos e mais chamadas para os serviços de emergência6,7,8.

Hipp, Bauer, Curran e Bollen3 e Andresen e Malleson4 defendem que a diferença sazonal existe em vários tipos de crimes. Por exemplo, os últimos autores encontraram que crimes de furto, agressão e roubo de carros têm percentagens mais baixas no inverno e começam a aumentar na primavera, atingindo o seu pico no verão e descendo novamente no outono.

Quanto à ocorrência do crime de agressão, vários estudos demonstram que há realmente um pico nos meses que apresentam temperaturas mais elevadas1,5, com especial atenção para o estudo de Stevens, Beggs, Graham e Chang7 que verificou um aumento médio de 18% de agressões no verão em comparação com o inverno. Relacionado com isto, as taxas de violência são mais elevadas nos meses mais quentes, comprovado pelo facto de que os níveis de homicídios também aumentam nesta altura9,10.

Neste seguimento, o estudo de Lauritsen e White5 demonstrou que as taxas de vitimização violenta, que incluem crimes de violação, roubo, agressão agravada e crimes com recurso a armas variam durante as estações, pelo que foram demonstrados níveis significativamente mais altos no verão comparando com a primavera, outono e inverno.

Contudo, os estudos têm resultados menos coerentes quanto à criminalidade contra a propriedade, pelo que esta se tem demonstrado menos sistematicamente relacionada com as mudanças na temperatura2,7.

É necessária mais investigação

Graças aos estudos desenvolvidos, é possível afirmar que existe uma relação entre o aumento da temperatura nos meses de verão e o aumento da criminalidade na mesma altura, principalmente da criminalidade violenta e contra as pessoas. Esta informação pode ser útil em termos de prevenção do crime, pois pode ser possível identificar as alturas do ano com maior risco destes comportamentos e implementar medidas para os evitar4,9.

No entanto, os resultados dos estudos ainda variam consideravelmente, sendo necessário desenvolver mais investigação na área de modo a ser possível estabelecer uma relação causal entre a temperatura e a criminalidade, pois estes resultados podem ter subjacentes explicações alternativas7,8.

 

O conteúdo publicado neste artigo é de inteira responsabilidade dos autores e não representa o posicionamento/opinião do canal AMC Crime.

Criminólogas: Sara Afonso e Vânia Sampaio.

 

  1. Semmens, N., Dillane, J. e Ditton, J. (2002) ‘Preliminary Findings on Seasonality and the Fear of Crime’ British Journal of Criminal 42, 798-806. available from <https://socialforces.unc.edu/bjc/article-abstract/42/4/798/349780?redirectedFrom=PDF> [10 de junho 2020]
  2. Cohn, E. (1990) ‘Weather and Crime’ British Journal of Criminology 30(1), 51-64. available from <https://ibis.geog.ubc.ca/courses/geob370/students/class07/crime_weather/misc/weather_and_crime.pdf> [10 junho 2020]
  3. Hipp, J., Bauer, D., Curran, P. e Bollen, K. (2004) ‘Crimes of Opportunity or Crimes of Emotion? Testing Two Explanations of Seasonal Change in Crime’ Social Forces 82(4), 1333-1372. DOI: 10.1.1.453.3947
  4. Andresen, M. e Malleson, N. (2013) ‘Crime Seasonality and its Variations across Space’ Applied Geography 43, 25-35. DOI: 1016/j.apgeog.2013.06.007
  5. Lauritsen, J. e White, N. (2014) Seasonal Patterns in Criminal Victimization Trends. Estados Unidos da América: Departamento de Justiça dos EUA
  6. Mares, D. e Moffett, K. (2019) ‘Climate Change and Crime Revisited: An Exploration of Monthly Temperature Anomalies and UCR Crime Data’ Environment and Behavior 51(5), 502-529. DOI: 10.1177/0013916518781197
  7. Stevens, H., Beggs, P., Graham, e Chang, H. (2019) ‘Hot and Bothered? Associations between Temperature and Crime in Australia’ International Journal of Biometeorology, 1-16. DOI: 10.1007/s00484-019-01689-y
  8. Field, S. (1992) ‘The Effect of Temperature on Crime’ British Journal of Criminology 32(3), 340-351. DOI: 10.1.1.978.9163
  9. Chersich, M., Swift, C., Edelstein, I., Breetzke, G., Scorgie, F., Schutte, F. e Wright, C. (2019) ‘Violence in Hot Weather: Will Climate Change Exacerbate Rates of Violence in South Africa?’ SAMJ 109(7), 447-449. DOI: 10.7196/SAMJ.2019.v109i7.14134

Schinasi, L. e Hamra, G. (2017) ‘A Time Series Analysis of Associations between Daily Temperature and Crime Events in Philadelphia, Pennsylvania’ Journal of Urban Health 94, 892-900. DOI: 10.1007/s11524-017-0181-y